sábado, 20 de abril de 2024

Aos 83 anos, Coronel Adib opina: "Polícia precisa ser mais enérgica"

04 setembro 2012 - 13h20
Campograndenews


O tempo passou, mas as experiências de 30 anos de atividade policial ficaram e para sempre. Adib Massad está com 83 anos. Se recuperando de uma cirurgia, atendeu a equipe do Campo Grande News. No primeiro contato disse que, aposentado há bastante tempo, não teria nada a falar, mas acabou aceitando e expondo o olhar de quem hoje está do lado de fora do combate à criminalidade.

A figura que o tempo transformou é hoje um rosto amigável, gentil. Passa a impressão de um idoso paciente, mas nas palavras ainda é o coronel que fez história e ficou conhecido como linha dura com a bandidagem, aponto de, com os últimos casos de violência, ser convocado de volta por uma campanha nas mídias sociais.

Os passos ainda são firmes, as mãos também continuam de ferro. Ao lado, um jornal impresso com a folha policial toda grifada. Mesmo longe das páginas de Polícia, os crimes são acompanhados diariamente por quem viveu a vida com a arma na mira do crime.

“Fico revoltado com uma coisa dessas. O que me deixa mais incomodado é que a Polícia deveria ser mais enérgica. Embora eu seja contra a atitude de liquidar pessoas”. O comentário é feito com certo receio. Ele próprio se censura e diz numa brincadeira “minha filha, se eu fosse dizer o que eu acho, hoje eu era preso”.

Adib está se referindo ao assassinato cruel dos jovens Breno Luigi Silvestrini de Araújo, de 18 anos, e Leonardo Batista Fernandes, de 19 anos, estampado nas páginas de jornais de toda Campo Grande desde a última sexta-feira. O episódio comoveu uma cidade inteira, trouxe à tona mais que um pedido, uma população inteira implorando por paz, a volta da discussão de reformulação do Código Penal Brasileiro, prevendo pena de morte e, dos mais velhos, a lembrança de que nos tempos de Coronel Adib, as coisas eram diferentes.

“Na pior das hipóteses, tinha um resultado. Não era que eu resolvia de uma vez, mas pelo menos dava tranquilidade pra cidade. Levei repreensões pelas minhas atitudes”. Admite que levou, mas não fala de arrependimento. O que confirma a lenda que se formou em torno do personagem Coronel Adib.

Coronel Adib ingressou na Polícia Militar aos 16 anos, com 17 já saiu da academia como aspirante. “Tenho 30 e poucos anos de efetivo para conhecer alguma coisa. Cada época é cada época e cada ano é diferente. Evoluiu, o mundo está evoluindo, é um pensamento meu, em todo lugar está havendo problemas gravíssimos, desgraça, violência, a gente fica preocupado. As coisas se expandiram cada vez mais, nunca fica numa coisa só”.

Quando ainda era tenente, em Rondonópolis, período em que tudo se resumia a um Mato Grosso só, com apoio da prefeitura ele e comandados saíam às 8h da noite de todo sábado e domingo.

“Passei a fazer limpeza na cidade. Era o horário do silêncio, a partir de 10h, todo mundo era identificado, a maioria ia preso. E na segunda-feira tinha que soltar todo mundo, a cadeia amanhecia lotada. Eu tirava o preso para registrar, antes de soltar eu ficava sentado numa cadeira com porrete que tinha o nome de capitão e perguntava se eles queriam conversar com o tenente ou com o capitão. Eles respondiam ‘capitão’ e eu então dizia deita aí meu filho e mandava embora. Não saía sem apanhar, é contra a lei, mas assim a cidade ficou calma”, recorda.

Analisando o cenário da criminalidade num Estado onde hoje o comércio da droga gera lucro à base da violência e presos comandam o tráfico de dentro das celas, Adib Massad é irredutível em dizer que tem saudades daquela época.

“Na realidade” – interrompe para dar uma risada – “não é o coronel Adib, era o grupo de modo geral que entendia a necessidade de providências imediatas, o que me ajudou a atingir bom resultado no comando eu divido com todos os meus soldados, gente corajosa, amiga, simples e honesta no trabalho”.

Outros tempos - À frente da Polícia que atuava na região de fronteira, o estilo de vida e trabalho do coronel merece relato. Rigidez sempre foi linha adotada de quem transferia companheiros quando erravam e fazia exigências quanto à contratação do efetivo que chamava de seu.

“Quando fui convidado a comandante, eu exigi meus soldados tem que ganhar bem e só eu escolho os meus companheiros. Eram 30 diárias na época, não tinha motivo de fazer coisa errada, o maior castigo deles era mandar para o quartel, porque eles perdiam vantagens. É uma luta bastante pesada, o GOF, a gente sabe que não é fácil”, descreve.

Linha dura no combate à violência e décadas de trabalho fazem hoje o coronel olhar o presente com outros olhos, assim dizer, estarrecidos de ver a liberdade que existe de um lado e a repressão do outro. Bandidos com direitos e autoridades com limites, afirma.

“Já ultrapassou o limite e precisa de muita energia, mais autoridade pra Polícia de modo geral. Eu nunca precisei atirar em ninguém, mas os meus soldados não deixaram por isso. Antes que os bandidos atirassem, eles atiravam primeiro e não tinha problema. A bandidagem desaparecia e a tranquilidade voltava", afirma.

"Esse que é o problema que estamos atravessando hoje. Agora soldado não pode apontar arma pra bandido que é crime, mas ele, o bandido, pode matar, um soldado. O que eu gostaria de fazer hoje? É difícil dar essa resposta, atirar não é permitido, tem que ser tudo de acordo com a lei e ela é elástica, eu falo tudo aí: a lei é elástica”.

A motivação dos crimes, o que leva um bandido a roubar e matar com requintes de crueldade também mudaram com o passar dos anos. “Antigamente os crimes ocorriam por uma questão de honra, ou tentativa de algo que mexia com a pessoa. Não era premeditado, não era preparado. Era uma coisa que acontecia. As pessoas andavam armadas, não tinha repreensão. Eu desarmei muitas pessoas e nunca tive notícia de que alguém que fosse desarmado, atirasse na polícia”, diz.

Ainda seguindo esta linha de pensamento, ele explora o crime executado por quadrilhas. “Hoje ninguém age sozinho, sempre são dois, três. Naquela época o homem não agia em bando, era um que fazia a bandidagem. O que acho interessante é a área feminina para mim é uma coisa que não dá pra acreditar no que está acontecendo”.

A protagonista da violência nos dias de hoje é outra, lembra o coronel. A droga chegou e tomou um espaço absurdo. Destruiu e destrói famílias, põem projetos de um futuro promissor água abaixo, como fez com os jovens Breno e Leonardo, executados por outros jovens que queriam entrar "no mundo do tráfico".

“Aí você mexeu na parte mais pesada, tudo isso que nós estamos passando, está envolvida a droga. É o câncer da situação que estamos atravessando, não tenho medo de falar é a droga. Todo mundo sabe, fala isso de ponta a ponta, principalmente as autoridades. O crime acontece em qualquer lugar, mas a maioria está envolvida droga. Eu não lembro de uma época de violência dessas que tem hoje, havia crimes, mas eram vindos de uma cidade pra outra. Os bandidos também mudaram, estão mais ousados, mas isso eu incluo à situação, é a droga”.

Quem a vida inteira combateu a criminalidade de frente, usando métodos que hoje não seriam nada convencionais e até dignos de repreensão dos Direitos Humanos, defende aumento no número de policiais e a reação deles diante de um primeiro disparo.

“Tenho observado de modo geral, muitos esforços da Polícia. Antes não tinha tanta violência como tem hoje, o que precisa é prevenção, aumentar a quantidade de policiais, o dobro do que tem hoje pelo crescimento. Revidar? Tudo depende da situação, se o bandido é pego de surpresa não tem motivo pra atirar, mas em uma perseguição há uma reação. Eu acho bom e defendo: a polícia tem que revidar. Perdi três homens em 30 anos de efetivo, um sargento e dois soldados, isso mostra o quanto eu tinha cuidado com os meus comandados”.

A solução proposta, de maneira delicada pelo coronel ultrapassa grades de um presídio, mas esbarra de novo, em uma legislação branda. “Antigamente preso trabalhava, aprendia profissão, hoje é salão de baile. Eu não vejo solução, hoje é a lei e qualquer ação é contra a lei. Está precisando de um pouco mais de energia, um trabalho mais enérgico, mais severo. Prender enche a cadeia e eu não tenho visto nenhuma solução que seja favorável”.

No lado da execução, autores que conduzem a criminalidade hoje são os adolescentes. Menores de 18 anos com passagens pela Polícia muito maiores do que o próprio tamanho. “É um caso bastante difícil, depende muito dos pais, a juventude precisa de muita orientação em casa e na escola. A repreensão deles, se é rigorosa, não vai trazer bons resultados, o trabalho tem de ser de reeducação. E o que está sendo feito hoje está demonstrando que não tem dado grande resultado, cada dia acontecem mais fatos”.

O combate no ano de 2012 é diferente daquele mesmo feito pelo coronel na década de 70. Os bandidos mudaram, a criminalidade mudou e as razões também. O combate hoje não é só desarmar uma pessoa. É lutar contra a violência e as drogas de frente.

“O combate não depende só da Polícia Militar, depende de uma união de forças de todas as polícias, de companheiros. Na minha opinião, está precisando de mais união de um modo geral. União sem egoísmo, união sincera e positiva honesta. A Polícia como irmandade, mas que precisa também ter sua valorização principal. Antes tinha disciplina mais rígida e leis, agora a rigidez é dos direitos humanos e do Ministério Pública que funciona só no papel.

“Porque nos tempos de coronel Adib era diferente? Porque certamente tinha confiança, habilidade, resolvia problemas. Eu sempre resolvia. Hoje vai um ano até ir pra Ministério Público. As autoridades me davam apoio quando fazia o certo. Hoje, a gente não pode fazer nada”.

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