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Thomaz Bastos, um advogado acima de qualquer suspeita

13 junho 2012 - 16h40
IG


“Imagine um jogador cobrar escanteio, cabecear para o gol, defender e sair jogando”. A metáfora acima foi usada pelo advogado gaúcho Luiz Francisco Barbosa para ilustrar a atuação do ex-ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos no processo do mensalão.

Desde a histórica reunião no início de 2005 na qual Roberto Jefferson teria alertado o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o esquema, Thomaz Bastos jogou em quase todas as posições do processo.

Ele era ministro da Justiça e, portanto, chefe da Polícia Federal quando o caso veio à tona e foi testemunha de defesa do ex-ministro da Casa Civil.

Ainda como ministro de Lula, ajudou a escolher oito dos 11 ministros do Supremo. Hoje, é advogado de defesa do ex-diretor do Banco Rural José Roberto Salgado e sócio do escritório que defende o ex-deputado petista Professor Luizinho.

Nos bastidores do escândalo a participação de Thomaz Bastos foi ainda mais ampla. Segundo fontes do governo, foi ele o autor da tese de que tudo não passou de um desastrado esquema de caixa dois eleitoral. A versão foi incorporada pelo próprio Lula e tinha como objetivo restringir as ilegalidades ao âmbito da Justiça Eleitoral. Além disso, desmentiria o “título” do escândalo, que remete ao relato de Jefferson sobre pagamentos periódicos a deputados da base aliada no Congresso.

Na noite de 1º de agosto de 2005, véspera do depoimento de Dirceu ao Conselho de Ética da Câmara, Bastos esteve no apartamento do ex-ministro em Brasília para, a mando de Lula, pedir que o ex-ministro renunciasse ao cargo de deputado federal. O pedido foi rejeitado por Dirceu, que acabou cassado.

Agora, às vésperas do julgamento do caso pelo Supremo Tribunal Federal, Bastos volta a ocupar papel central no processo. Segundo outros advogados, ele atua como uma espécie de coordenador dos demais defensores.

Foi numa reunião no escritório do defensor de Dirceu, José Luiz Oliveira Lima, no início de maio, que Thomaz Bastos sugeriu a ideia pouco ortodoxa de enviar uma carta ao STF alertando sobre os riscos de julgar o caso em um momento de turbulência política, no qual os ministros estariam sujeitos a pressões externas. Ele organizou os principais advogados no caso em uma espécie de confraria batizada “Grupo dos Dez”, na qual são discutidas estratégias comuns de defesa.

O objetivo seria fazer uma pressão contrária em favor dos acusados junto à opinião pública e adiar o julgamento para o ano que vem, quando dois ministros tidos como votos certos pela condenação de alguns réus estarão aposentados.

A tese foi reiterada no último domingo, em entrevista ao programa “Ponto a Ponto” da BandNews, na qual Bastos disse que a imprensa “tomou partido” no caso e tem sido exaustivamente repetida pelos réus.

A múltipla atuação de Bastos no mensalão não é ilegal nem fere o código de ética da advocacia. Mas é no mínimo pouco usual. Nas palavras de um dos advogados , é “esquisito”.

Já na avaliação de um membro do Ministério Público Federal que já atuou em pelo menos uma dezena de ações contra o ex-ministro, é uma “anomalia” que prejudica a atuação de Bastos no processo. O principal questionamento é quanto à credibilidade de sua participação na condição de testemunha de Dirceu.

No dia 27 de maio de 2009 Bastos prestou um rápido depoimento perante a juíza Sílvia Maria Rocha, da 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo. No mesmo dia depuseram Delúbio Soares e Silvio Pereira, entre outros réus do processo, fazendo com que a participação do ex-ministro da Justiça passasse despercebida.

O depoimento, no entanto, é peça importante na versão segundo a qual Lula não sabia da existência do esquema. Em juízo, Thomaz Bastos elogiou Dirceu, disse que a PF só foi acionada quando o caso veio à tona (depois da entre vista de Jefferson à Folha de S. Paulo) e que no primeiro momento Lula optou por uma apuração no âmbito político, via Ministério das Relações Institucionais.

“Na época ele falou como ex-ministro da Justiça. Isso tem um peso grande. E agora? Como advogado de defesa? Qual a credibilidade?”, questionou o advogado de Jefferson, Francisco Barbosa, que tenta incluir Lula no rol de réus.

Em conversas reservadas, alguns dos advogados que estão desde o início no processo reclamam da entrada de Thomaz Bastos no caso faltando poucos meses para o julgamento. “Entrou na última hora e ainda pegou o banqueiro”, ironizou um colega que conhece Bastos há mais de três décadas.

Nomes de peso no direito brasileiro como o também ex-ministro da Justiça José Carlos Dias (integrante da comissão da verdade), Arnaldo Malheiros, Antonio Claudio Mariz de Oliveira, Marcelo Leonardo, José Luiz de Oliveira Lima, Alberto Toron e Celso Vilardi se viram, de repente, ofuscados.

Alguns não gostaram e reclamam da superexposição do colega. A gota d’água foi a imagem de um sorridente Thomaz Bastos ao lado de Carlinhos Cachoeira na CPI que investiga o bicheiro. Cachoeira estaria pagando R$ 15 milhões de honorários embora esteja com os bens bloqueados pela Justiça.

Alguns defensores avaliam que o episódio agregou novos elementos negativos aos réus na guerra midiática que cerca o julgamento do mensalão. Thomaz Bastos foi alvo de críticas abertas e exposto ao constrangimento de uma representação junto ao MPF que o acusa de receptação ou lavagem de dinheiro por receber dinheiro supostamente ilícito de Cachoeira.

O ex-ministro rebateu os ataques dizendo que os críticos não respeitam o sagrado direito à defesa, alicerce de qualquer regime democrático.

Perguntado sobre os motivos que levam Thomaz Bastos e se expor desta forma embora não necessite mais de dinheiro nem de prestígio, um advogado da nova geração, amigo, admirador do ex-ministro em várias causas, respondeu: “é pelo desafio”.

Márcio Thomaz Bastos foi procurado diversas vezes pela reportagem do iG nas últimas semanas mas não respondeu aos pedidos de entrevista.

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