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brasileiros que lutaram contra o PY foram abandonados depois

02 novembro 2011 - 09h54Por MS Já
A Guerra da Tríplice Aliança ou do Paraguai, como é mais conhecida, terminou em 1870 com o assassinato do General e chefe da nação paraguaia, Francisco Solano Lopez, em 1° de março daquele ano. E o que aconteceu com os soldados brasileiros quando voltaram para casa? Atrás de uma explicação convincente, o MS JÁ foi em busca da resposta e encontrou em estudos acadêmicos que dão uma idéia do que aconteceu com os “Voluntários da Pátria” que quase exterminaram a população vizinha.

A pesquisa

A pesquisa realizada para esta matéria é baseada na dissertação “O Ex-combatente da Guerra do Paraguai nas Ruas do Rio de Janeiro: Discursos e Práticas em torno de um Exército Vencedor (1870 – 1874)”, de Everaldo Pereira Frade, da Universidade do Estado Do Rio De Janeiro – Uerj (2006).

Segundo ele, antes da guerra o Brasil não estava preparado para um conflito daquela magnitude e, portanto, o recrutamento foi quase uma catástrofe, porque os soldados eram pegos na marra “retirados dos seus rincões e colocados dentro de navios adaptados e apinhados, ou submetidos a marchas forçadas por centenas de quilômetros, em direção à corte do Rio de Janeiro, local de concentração de tropas e onde era ministrado um tosco treinamento; muitos não resistiam e ficavam pelo caminho. Alguns doentes ou mortos, outros como desertores”.

Quando saiam do Rio de Janeiro rumo aos campos de batalha, continuavam ficando pelo caminho. “Na chegada ao porto de Montevidéu (Uruguai), última parada do comboio antes dos campos de batalha, muitos acabavam ficando pelos hospitais, fora de combate, muitas vezes por doenças contraídas na viagem ou trazidas de seus lugares de origem”, comenta o autor.

A Guerra

Com um exército brasileiro que variou de 130 a 150 mil soldados e com a ajuda da Argentina e do Uruguai que ofereceram mais uns 25 mil homens, o Brasil levou à lona um Exército paraguaio de aproximadamente 80 mil soldados, fora as vítimas civis dos dois lados. O Brasil havia vencido a guerra e era hora dos soldados voltarem para casa.

O retorno

A volta dos soldados começou em 1869, com a conquista de Assunção. Alguns ainda ficaram um tempo a mais como tropas de ocupação, mas, o grosso da tropa voltou mesmo em 1869.

“A situação, que durou em torno de seis meses, não era das melhores. Muitos desses soldados estavam ausentes há mais de quatro anos e não viam sentido em prorrogar mais a estadia em solo paraguaio. A insatisfação quase geral da tropa, agravada pelas dificuldades de abastecimento de água e comida, comuns desde o início do conflito, acabou por fomentar desordens e insubordinações, tornando-se comuns os saques e a violência, principalmente contra a população paraguaia”, explica Frade.

Quem voltava para casa, se fosse de uma família rica, influente e tivesse ido ou se tornado oficial de alta patente durante a Guerra, tinha grandes chances de prosseguir na carreira militar, se assim o desejasse. Já para quem era soldado ou oficial de baixa patente a situação era bem diferente.

“Os ex-combatentes oriundos dos segmentos mais pobres da população, via de regra soldados e baixa oficialidade, ao retornarem aos seus domicílios e à sua vida normal, voltaram a ser discriminados, apesar da sua condição de “heróis de guerra”, fato que não livrava o indivíduo da ação repressiva e violenta da polícia”, escreveu Frade em sua dissertação.

Quem não agüentava a pressão social extrema ou tinha ficado inválido durante a campanha no Paraguai era mandado para o Asilo dos Inválidos da Pátria, que na fachada era um hospital, mas, que acabou por converter-se em uma cadeia psiquiátrica e punitiva para o ex-combatente cada vez mais deslocado da vida social.

“Por ser um lugar isolado, localizado na ilha de Bom Jesus (vizinha à Ilha do Governador/RJ), e abrigava pessoas doentes, parece que a disciplina não era das mais rígidas nesse estabelecimento”, comenta Frade citando casos de espancamentos de civis, ausência em escalas de serviço, roubos de pares de sapato para vender, ameaças a superiores, entre outros pequenos crimes praticados pelos ex-combatentes, aparentemente com problemas psicológicos advindos dos anos de guerra.

O Estado não sabia como tratá-los e para conter a insubordinação e a violência, o exército freqüentemente se utilizava da repressão, seja ela na forma da reclusão do acusado ou da violência direta através dos castigos corporais.

Foi o caso do soldado José Antônio das Virgens do 12º Batalhão de Infantaria da província do Pará. Inválido em conseqüência de ferimentos recebidos na guerra, ele teve a perna direita amputada. Sem família, turbulento e alcoólatra, “sempre em rixa com a polícia e com paisanos, aos quais insulta e provoca quando não é atendido nas suas desarrazoadas exigências”, foi remetido para a Corte do Rio de Janeiro, “porque ahí (sic), onde mais abundam os meios de repressão adoptados (sic) às circunstâncias do indicado soldado, pode ele ser contido”, exemplifica Frade.

Já o ex-combatente Alferes Farmacêutico Luiz Antônio Murtinho ficou um mês preso por furtar do hospital militar do Andaraí 20 vidros com sulfato de quinina e um com bismuto, “vendendo-os na botica da rua Direita, número 5”.

Pior para os escravos

Já quem era escravo, teve ainda mais problemas para se adaptar à vida “normal” no pós-guerra. A escravidão ainda não havia sido abolida em 1870, isso só aconteceria 18 anos depois. Muitos foram os casos em que o soldado ganhava a liberdade por ter lutado pelo Brasil contra o Paraguai, mas, seus pais, irmãos, tios, além de outros parentes continuavam escravos do mesmo jeito.

Ricardo Salles no livro “Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do exército” (1990), que dedicou um livro ao assunto, cita algumas estimativas. Segundo o general Queiroz Duarte, que trabalhou os números dentro de uma ótica que visava a valorizar os alistamentos voluntários, os ex-escravos, libertos, seriam 8.489 pessoas em meio ao contingente mobilizado para a guerra, que perfazia um total de 123.150 soldados. Ou seja, 6,9% de escravos do total de soldados do exército, porém há estudos que falam em até 10%.

Independente da cor da pele, quem era pobre antes da Guerra do Paraguai continuou pobre e ainda foi abandonado pelo Estado. De “Voluntários da Pátria” haviam se tornado “Esquecidos da Pátria”.

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