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Ponta Porã ainda vive no “país dos banguelas”

Ponta Porã ainda vive no “país dos banguelas”

20 abril 2012 - 16h10
Mercosulnews


Mesmo que a proliferação das clínicas populares de odontologia tenha ampliado o alcance dos tratamentos dentários preventivos e profiláticos, o fronteiriço ainda faz parte das estatísticas que apontam o Brasil como o “país dos banguelas”, como ironiza muito bem a música do Titãs.
Esta pelo menos é a opinião dos três profissionais da área odontológica consultados pela reportagem nesta quinta-feira em Ponta Porã. Eles acreditam que ouve uma evolução pelo menos no aspecto da “cultura da extração”, muito comum em outros tempos e que ainda persiste em comunidades menos racionalizadas. O serviço público está longe de uma realidade aceitável, principalmente no que se refere à valorização da mão de obra, concordam.

Michellin Leita da Silva é uma desta profissionais que condena a cultura da extração, “que enriqueceu muitos dentistas antigamente, afeitos a extrair e impor como solução, literalmente goela abaixo, as próteses dentárias”. Hoje - garante - os odontólogos têm que trabalhar muito para conseguir se manter.

Ele lembra que atualmente os tratamentos dentários estão muito mais baratos e ao alcance da população que, mais consciente através de campanhas educativas, tem optado com mais frequência pelos tratamentos preventivos e pela restauração dos dentes, ao invés da extração.

Todavia, Drª. Michellin aponta que nos assentamentos Itamarati I e II a preferência pelas extrações ainda persiste, justamente em função de se tratar de uma comunidade aculturada. Para ela, o poder público deveria melhorar o atendimento, remunerando de maneira justa os profissionais da área “que ganham uma mixaria”.

A odontóloga disse não poder falar sobre o que ocorre nos consultórios de atendimento público porque não presencia isto pessoalmente, mas fica surpresa “com os pacientes que vêm do serviço público para a nossa clínica em busca de socorro. Já tive casos de um tratamento de canal ter sido marcado para seis meses depois da primeira consulta. Isto é um absurdo”, completou.

Já para o Dr. Anderson Monteiro Godoy, “continuamos no país dos banguelas por pura falta de poder aquisitivo da população”. Para ele o tratamento dentário não ficou mais barato, o que ocorre é que algumas clínicas se utilizam de matérias de categoria inferior. “Mas, isto, na verdade, pesa muito pouco no orçamento do tratamento. Os materiais representam cerca de 30% dos gastos. O mais caro é o conhecimento do profissional. Porém, nestas clínicas que estão se proliferando por todo o Brasil, a preocupação é com a quantidade e não com a qualidade”.

Ele lamenta que o tratamento dentário não esteja entre as prioridades da família brasileira. “Primeiro vem a alimentação, os filhos, educação, etc. Os dentes ficam lá pelo 6º lugar, cercados ainda pelo tabu do medo do dentista”. Monteiro lembra que, na idade média o homem portava um colar com odores para disfarçar o mau hálito. Portanto já havia, naquela época, uma preocupação com isto.

Nos dias de hoje a preocupação com a estética é ainda maior, haja vista que a concorrência no mercado de trabalho exige cada vez mais a boa aparência e outros fatores para um exame de seleção. Por isto, as clínicas populares têm sido tão procuradas. “Infelizmente, em muitos destes casos, o paciente acaba nos procurando depois, por não ter ficado satisfeito com o resultado do tratamento e acaba gastando mais”, ressalta.

Quanto ao atendimento público, Dr. Anderson lembra que “há 20 anos os dentistas do serviço público não recebem aumento nem o repasse da correção da inflação, que deve andar hoje lá pela casa dos 70%. Os caras ganham apenas 2 salários mínimos por quatro horas diárias de trabalho. É frustrante”, conclui.

Outro odontólogo especializado e muito popular na fronteira é o Dr. Antônio Carlos de Toledo, com mais de 27 anos de profissão. Ele lembra que quando ingressou no serviço público ganhava cerca de quatro salários mínimos e hoje não ganha mais do que 2,2. Para Toledo, o serviço público avançou e o Centro Especializado Odontológico (CEO) instalado no CREM “João Kayatt” presta bons serviços, exceto na área de Ortodontia.

O odontólogo disse que está em discussão no Congresso Nacional a criação de um piso de sete salários mínimos para o serviço público, o que daria hoje cerca de R$ 4.400,00 por quatro horas dia/mês de trabalho. “Não é o ideal, mas seria mais razoável. Aliás, Ponta Porã é uma das cidades com o menor salário nesta área. Municípios vizinhos pagam melhor”, frisou.

Finalizando, Toledo revela que acaba de realizar um levantamento na Escola Joaquim Murtinho sobre saúde bucal entre crianças e jovens de 6 a 14 anos e garante que os índices são animadores, sobretudo no que se refere ao tratamento preventivo, com aplicação tópica de flúor e orientações sobre escovação correta.

Mas, quando questionado sobre a proliferação das clínicas, ele lamenta que a maioria dos proprietários nem é do ramo e se vale de profissionais recém formados, que trabalham em alta rotatividade e assegura que “estes estabelecimentos, em sua grande parte, apenas vendem sonhos para a população de baixa renda, que acaba tendo que se contentar com isso. Outros, com melhores condições econômicas, acabam procurando depois clínicas como a nossa”, acrescenta.

E observa: - “Para se obter um bom resultado – acrescenta – não há como economizar. Uma prótese hoje custa em torno de R$ 600,00 e um dente implantado cerca de R$ 1.500,00. Portanto, o tratamento dentário ainda é caro, porque os profissionais da área precisam investir muito em cursos e pós-graduações para se especializar”.

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