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JUDICIÁRIO

Supremo decide enquadrar a homofobia como crime de racismo

14 junho 2019 - 10h30Por G1

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quinta-feira, dia 13 de junho, por 8 votos a 3, permitir a criminalização da homofobia e da transfobia. Os ministros consideraram que atos preconceituosos contra homossexuais e transexuais devem ser enquadrados no crime de racismo.

Conforme a decisão da Corte:

"praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito" em razão da orientação sexual da pessoa poderá ser considerado crime;

a pena será de um a três anos, além de multa;

se houver divulgação ampla de ato homofóbico em meios de comunicação, como publicação em rede social, a pena será de dois a cinco anos, além de multa;

a aplicação da pena de racismo valerá até o Congresso Nacional aprovar uma lei sobre o tema.

Com a decisão, o Brasil se tornou o 43º país a criminalizar a homofobia, segundo o relatório "Homofobia Patrocinada pelo Estado", elaborado pela Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (Ilga).

No julgamento, o Supremo atendeu parcialmente a ações apresentadas pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) e pelo partido Cidadania (antigo PPS).

Essas ações pediam que o STF fixasse prazo para o Congresso aprovar uma lei sobre o tema. Este ponto não foi atendido.

Durante a sessão desta quinta-feira, os ministros fizeram ressalvas sobre manifestações em templos religiosos. Conforme os votos apresentados:

não será criminalizado: dizer em templo religioso que é contra relações homossexuais;

será criminalizado: incitar ou induzir em templo religioso a discriminação ou o preconceito.

No julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso propôs que os crimes de assassinato e lesão corporal contra gays tivessem agravante na pena. Os demais ministros, porém, não discutiram esse tema.

O julgamento começou em fevereiro, quando quatro ministros votaram a favor de enquadrar a homofobia como racismo:

Celso de Mello;

Luiz Edson Fachin;

Alexandre de Moraes;

Luís Roberto Barroso.

Em maio, o julgamento foi retomado e mais dois ministros também votaram a favor da criminalização, formando maioria dos votos:

Rosa Weber;

Luiz Fux.

Retomada do julgamento

A sessão desta quinta-feira (13), a sexta destinada à análise do tema, foi iniciada com a votação da ministra Cármen Lúcia.

Ao apresentar o voto, afirmou que o STF deve proteger o direito do ser humano à convivência pacífica. Também destacou que "todo preconceito é violência e causa de sofrimento".

"Numa sociedade discriminatória como a que vivemos, a mulher é diferente, o negro é diferente, o homossexual é o diferente, o transexual é diferente. Diferente de quem traçou o modelo, porque tinha poder para ser o espelho e não o retratado. Preconceito tem a ver com poder e comando. (...) Todo preconceito é violência, toda discriminação é causa de sofrimento", votou.

Na opinião da ministra, discriminação "castiga" a pessoa desde o lar, uma vez que afasta pai de filho, irmãos e amigos. Ressaltou que o Congresso foi inerte até o momento, acrescentando que os episódios reiterados de ataques contra homossexuais revelam "barbárie".

Em seguida, na sessão, Ricardo Lewandowski apresentou o voto, divergente dos até então apresentados. O ministro se posicionou contra a permissão para criminalizar a homofobia, mas disse considerar que o Congresso foi omisso. Frisou que não cabe ao STF definir em qual crime os atos devem ser enquadrados porque isso é função do Poder Legislativo.

Para o ministro, punir criminalmente a homofobia é "simbólico", mas acrescentou que "a lei pode muito", mas "não pode tudo".

"Estamos aqui a tratar a necessidade de mudanças culturais complexas que, acaso vinguem, serão incorporadas ao repertório jurídico e policial paulatinamente. Essa reflexão, porém, não diminui a importância de que esse primeiro passo seja dado", afirmou.

Na sequência, Gilmar Mendes destacou que a omissão do Congresso é grave por deixar de proteger a comunidade LGBTI. Para o ministro, a falta de uma legislação afronta, ainda, a dignidade humana.

"Considerando a seriedade das ofensas sistematicamente dirigidas às esferas jurídicas das minorias que pleiteiam manifestação dessa Corte, entendo que não há como afastar o cabimento da presente ação. [...] Resta claro que a mora legislativa discutida consubstancia inegável insuficiência na proteção constitucional que determina a criminalização da discriminação atentatória à dignidade humana", disse.

Ao apresentar o voto, o ministro Marco Aurélio frisou ser preciso reconhecer que o Brasil vive "grave quadro" de discriminação contra homossexuais, acrescentando que esse cenário é "incompatível" com a tradição de tolerância do povo brasileiro em relação à diversidade cultural e religiosa.

"Não vivêssemos tempos tão estranhos, o pleito soaria extravagante. A estrita legalidade no que direciona a ortodoxia na interpretação da Constituição em matéria penal não viabiliza ao tribunal esvaziar o sentido literal do texto mediante a complementação de tipos penais", votou.

Último a votar, Dias Toffoli acompanhou Ricardo Lewandowski. Afirmou que considera o Congresso omisso por não ter aprovado uma lei, mas não concordou em enquadrar a homofobia e a transfobia como crime de racismo.

"Todos os votos proferidos, mesmo com divergência, reconhecem o repúdio à discriminação, ao ódio, ao preconceito e à violência por razões de orientação sexual. Estamos aqui a dar efetividade à Constituição. [...] Bom seria que não houvesse a necessidade de enfrentar esse tema em 2019", disse.

Argumentos apresentados ao STF

Enquanto associações LGBTI apresentaram ao Supremo argumentos a favor da igualdade de direitos, outras entidades também apresentaram fundamentos em defesa da liberdade religiosa.

Um exemplo é a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), que representa igrejas evangélicas. A associação disse que, em geral, todas as religiões consideram a homossexualidade "ontologicamente como pecado ou contra seus valores e princípios morais".

"É desproporcional, abusivo e inconstitucional admitir que, se um padre, pastor ou qualquer líder religioso, nos seus sermões, sendo fiel ao texto que eles têm como regra de fé e prática – a Bíblia, por exemplo –, assente que as práticas homossexuais são 'pecados', estejam assim sendo homofóbicos", argumentou a entidade.

Outro argumento religioso foi apresentado pela Frente Parlamentar da Família e apoio à Vida, segundo a qual protestantes, evangélicos e católicos se veem ameaçados como indivíduos, família e igreja, já que a homossexualidade "discrepa da vontade Divina para a humanidade, havendo Deus criado homem e mulher".

Paulo Lotti, representante da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais (ABGLT), afirma ter "muita esperança" de que o Supremo reconhecerá a homofobia e a transfobia como crime.

"Tenho certeza que o STF reconhecerá o dever constitucional do Congresso Nacional em criminalizar a homofobia e a transfobia. Tenho muita esperança que ele as reconheça como crime de racismo, na acepção político-social de raça e racismo que o STF já afirmou, num famoso julgamento que ocorreu na década passada, sobre antissemitismo. Lembrando que há pareceres favoráveis da Procuradoria-Geral da República para tanto", diz.

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