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Fim do gatonet sintetiza mudanças na Rocinha

Fim do gatonet sintetiza mudanças na Rocinha

27 novembro 2012 - 17h00
Uol

Símbolo do regime de exceção que vigora na maioria das favelas do Rio, o serviço pirata de TV a cabo, no relato de um antigo morador da Rocinha, é a síntese dos altos e baixos na passagem do terror do tráfico para o império da lei. “Antes, tinha menos canais, mas era mais barato”, recorda. “Quando o sinal ficava ruim, eu ligava para o Manoel e 15 minutos depois tinha um cara na minha casa. Agora, tem mais canais, mas custa mais caro, Quando chove, dá problema, eu ligo e cai no call center. O cara não nem sabe onde eu moro. Só quer saber o número do cartão”, completa.


Antigos moradores da favela ainda são, um ano depois da ocupação, seus mais discretos olhos e ouvidos. Trazem na voz um tom de quem já viu de tudo, principalmente a erosão de promessas de um governo para outro. Daí porque não arrisquem a menor aposta sobre o futuro. Mas, se já pouco falam do passado de terror, não disfarçam o encantamento com o presente. Não que o considerem completo, mas reconhecem que a mudança já é grande.


É desses personagens, portanto, a bem humorada observação de que traficante na favela virou vendedor ambulante. Figuras poderosas hoje piam fino. Se antes desfilavam com o bolso endinheirado e pistola reluzente atravessada no cinto, hoje levam mochilinha ao ombro e carregam pouca droga para, em caso de azar, poderem passar por usuários.


Essa mudança tem nome. Chama-se Edson Santos, um major PM de menos de 40 anos instalado no morro para comandar a Unidade de Polícia Pacificadora. É dele, de acordo com esses testemunhos, a estratégia que espalhou e tornou efetiva a presença da polícia em toda a Rocinha. Foi a chave para fechar as últimas bocas de fumo. Acabou a droga? Não. Maconha e cocaína ainda chegam, mas, comparada às toneladas do passado recente, a venda hoje está reduzida a migalhas.


Resulta também da ação da UPP certa transformação na política. A turma de Claudinho da Academia, o vereador que encarnava o braço político do tráfico local, desapareceu. Mesmo após a morte de Claudinho, o grupo era forte na favela. Protegido pelo sanguinário Nem e comandado por Niura Antunes, integrante do MST e amiga de José Rainha, esse pessoal tomou a Pró-Melhoramentos, uma das associações da favela e concentrou-se em achaques.


No modelo mais rudimentar das milícias, vendia proteção. Cada um dos mais de 600 mototaxistas passou a entregar uma taxa semanal à associação. Se já era dureza pagar diárias entre 15 e 17 reais aos donos de pontos, a nova extorsão gerou revolta, que só acabou sob a intervenção de Santos. Num episódio que lhe rendeu o apelido de Síndico, o major cadastrou mototaxistas, reduziu-lhes o número, acabou com os pontos e proibiu as diárias.

Assim, ora aos trancos, ora com suavidade, a cidadania avança na Rocinha.

Embora longe do estigma de principal entreposto do tráfico no Rio, ainda está distante da integração à cidade como um bairro. A favela acontinua nos roteiros turístico e, embora os visitantes já não sejam, como antes, estrangeiros na maioria, pelo menos não carregam mais aquele jeito de quem parece que vai jogar amendoim para os visitados. Esse é um dos motivos por que grande parte dos moradores não acredita na transformação completa da Rocinha em bairro. “Será sempre uma favela pacificada”, resume um deles.

Enquanto alguns serviços públicos de fato melhoraram, houve novidades que resultram em fracasso, como a tentativa de dar nomes às ruas internas, que sempre foram conhecidas por números. A saúde, com três Clínicas da Família, uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e um serviço psicosocial, deu um salto. O mesmo aconteceu com o recolhimento do lixo. Mas o abastecimento de água e a coleta de esgoto, atribuições da Cedae, continuam ruins, o que não chega a ser surpresa. O que melhorou já foi suficiente para empurrar os alugueis de 400 para 700 reais por um quarto e sala.

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